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A menina da torre


Era uma vez uma menina, não direi que ela era linda, pois não era. Uma garota como outra qualquer, com um par de olhos, pernas, braços, mãos, pés, orelhas. Todos em perfeito funcionamento. E com isso era feliz.
Não era de bondoso coração, vez ou outra gritava, ficava zangada, chorava e matava pessoas em seus pensamentos. Era deprimente o seu olhar.
Trancafiada na torre mais alta do reino, contemplava o mundo por uma janela brilhante, via uma realidade distante, queria fazer parte dela. Mas a única porta que havia em seu pequeno aposento era proibida.
Passava seus dias mergulhada nos livros, sonhando com princesas, viagens espaciais, aventuras nas florestas, ou até mesmo assombrada por fantasmas.
Trocava cartas com um principe a quem estava prometida. Ele era doce, meigo, romantico, especial. Dedicava seus dias aos estudos da alquimia, era quase um mago. Falava de livros e magia, de um mundo que ela nunca conhecera.
Ela era apaixonada pelo principe, mas ele morava num reino distante. Demorariam anos até que se casassem. A menina sofria em seu próprio mundo, em sua solidão. Afinal, por mais que o amasse, sua sensação de vazio nunca conseguia ser preenchida.
Seus amigos trocava cartas com ela às vezes. Isso a deixava muito animada. Mas sua alegria era breve, e sua solidão tomava conta de tudo mais uma vez.
Deitada em sua cama com lençol de linho e com a cabeça reencostada num travesseiro de plumas, perguntava-se o sentido de existir. Sonhava que estava num baile, rodeada de seus amigos e de braços dados com seu principe, valssando com ele até o sol nascer.
Abraçava mais um livro, que falava de um tal cavalo branco e de um homem sobre ele, que vinha tirar a moçinha do sofrimento e levar para seu castelo. Lá haviam milhares de janelas, dúzias de portas e nenhuma delas era proibida. Dormiu, sonhou mais uma vez e de seus olhos escorreu uma lágrima.
Acordou com os raios de sol acariciando seu rosto, dando bom dia. Os pássaros cantando e a noite indo embora. O frio calmo da madrugada estava quase se esvaindo.
A menina se encostou no peitoril da janela. Ouviu a sinfonia da natureza lhe dando bom dia. 
Sua torre era feita de pedra. Mais alta do que o maior carvalho já existente.
De lá de cima, podia ver o mundo, aquele que nunca alcançaria.
Um vento forte entrou pelo seu quarto como uma espiral, revolvendo as páginas dos livros e levando as cartas mundo a fora.
Voaram como se fossem pássaros. Lindas, palavras soltas no ar, livres.
A garota não tentou pegá-las, deixou-as sairem de seu confinamento e ganharem o mundo para si. E ela queria isso também.
Em pé no peitoril da janela, com seu vestido esvoaçando no vento, deixou-se cair.
Flutuou como um pássaro, foi tocada pelos raios de sol, seus cabelos faziam cócegas em seu rosto.
"Estou livre", pensou.
Toda a mata ficou em silêncio, parando suas cantigas, para se despedir da menina, e sorrir por ela. Sim, sua alma era como uma ave agora.
E as rosas brancas que floreceram no pé da torre, regadas por suas lágrimas, ficaram vermelhas como o sangue.
O sangue da menina, que agora era livre para sempre.

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1 comentários:

Caio disse...

Que lindo Jade, mas também triste. Só uma pessoa que escreve muito bem consegue transformar o que ora eram antônimos se transformarem em sinônimos.

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